A realidade da emergência climática impõe a necessidade de se descarbonizar a economia e repensar todo o modelo produtivo. Atualmente, o setor energético responde por cerca de 73% das emissões globais de gases de efeito estufa, tornando-se um elemento central dos esforços de limitação do aquecimento global.
Migrar de uma produção de energia fóssil para uma matriz energética composta por fontes limpas é uma tarefa complexa e de médio a longo prazo, que demanda uma excelente sinergia entre os múltiplos atores. A transição energética exige, também, investimentos em eficiência energética e modificações estruturais em diversos setores da sociedade, como na indústria e nos transportes, onde já se observa uma forte tendência para a bioeletrificação.
Todavia, a janela de ação climática é pequena e demanda mudanças estruturais em curta escala de tempo, o que torna este um dos maiores desafios da atualidade. A retomada econômica pós-pandemia forçou os países a aumentarem rapidamente a oferta de energia, obtida pelo aumento da produção das fontes fósseis disponíveis, especialmente carvão, diesel e gás natural. Em consequência, houve um abrupto aumento de emissões. Segundo a Agência Internacional de Energia, o carvão foi responsável por mais de 40% no aumento de emissão de gases de efeito estufa em 2021. As emissões no Brasil subiram 10% no mesmo período.
A geopolítica atual – dado o ocorrido na Europa com a guerra da Ucrânia – também aumenta o desafio das nações em garantir a segurança energética. Assim, o investimento em energias sustentáveis se torna uma questão de desenvolvimento nacional, além de evidenciar a disputa pela liderança na consolidação de um mercado de baixo carbono.
Entre as principais economias mundiais, a China detém grande potencial, com a maior capacidade de geração eólica e solar, além de ser um player importante para a transição energética global, fornecendo componentes para o mercado das energias renováveis. A União Europeia possui a maior geração de energia renovável no mundo e vem impulsionado seus investimentos para reduzir o uso de combustíveis fósseis, sobretudo após o início do conflito russo-ucraniano. Os Estados Unidos aprovaram um pacote de mais de US $300 bilhões em investimentos para políticas climáticas e energéticas, um marco histórico que evidencia a consolidação desta nova política internacional.
A retomada da economia exige equilíbrio entre medidas de estímulo ao crescimento econômico e à manutenção dos processos de descarbonização, de forma a viabilizar uma transição justa. Para tanto, o poder público e o mercado precisam trabalhar lado a lado para impulsionar investimentos em projetos de infraestrutura e inovação, além de garantir a geração de empregos em setores estratégicos da economia verde, de maneira inclusiva e que dialogue com as diferentes realidades.
No Brasil, a transição energética representa um campo promissor, mas igualmente desafiador para a economia e para o desenvolvimento nacional. Embora a escassez hídrica de 2021 tenha resultado em uma maior participação das termelétricas e redução da energia hidráulica, o mercado das energias renováveis continuou a crescer no país, dado as suas condições naturais excepcionais e sua importante estrutura agrícola, que permite uma intensiva retenção de carbono, produção de biocombustíveis e geração de empregos.
Desde meados da década passada, a produção de energia renovável teve um aumento significativo, sobretudo a eólica (que já possui 12,07% de participação na matriz elétrica nacional), com grande parte concentrada na região Nordeste. O segmento entra em uma nova etapa de expansão com a abertura do mercado eólico offshore (turbinas implantadas no mar), atraindo uma cifra bilionária de investimentos. A regulamentação da atividade – em tramitação avançada no Congresso – pode ser aprovada ainda em 2022, o que garantiria maior segurança jurídica aos projetos.
A energia solar também tem crescido em ritmo intenso no país, razão pela qual a Agência Internacional de Energia (IEA) aponta para um novo recorde de capacidade de geração de energia renovável em 2022, tendo em vista a expansão da geração distribuída solar fotovoltaica.
A produção e o uso de biocombustíveis são centrais na política energética nacional. O Brasil é, hoje, um dos maiores produtores mundiais de biodiesel e de etanol. E com as melhores condições para a produção de biogás e de biometano, com incentivos regulamentados por Decreto em 2022.
Por fim, o Hidrogênio Verde (H2V) é uma das principais apostas atuais. Imprescindível para a nova bioeconomia, o componente encontra condições ideais para sua produção no Brasil, em vista da ampliação das novas fontes renováveis, que permitem utilizar o aproveitamento elétrico para separar o hidrogênio da água em um processo chamado de eletrólise.
No entanto, há obstáculos substanciais a serem superados no curto e no médio prazo. É preciso aliar a formação de uma economia verde com a promoção do desenvolvimento social. Conforme a Agência Internacional de Energia, a migração para fontes de energia limpa deve ser um processo inclusivo e centrado nas pessoas.
Uma transição justa consiste em garantir empregabilidade e compensar as perdas decorrentes da redução da indústria fóssil. Hoje, só no Brasil, este segmento emprega aproximadamente 1,6 milhão de pessoas, de modo que uma redução brusca poderia aprofundar situações de vulnerabilidade. A requalificação dos profissionais e a oferta de empregos verdes deve ser uma prioridade, especialmente em faixas sociais mais diversificadas. Ao mesmo, não se justifica o aumento expressivo de subsídios à indústria fóssil nos últimos anos.
É preciso, também, lidar com os impactos das atividades. A indústria do petróleo é a principal causadora de danos ambientais, sendo consenso que as emissões de carbono afetam gravemente o equilíbrio climático. Contudo, para além das emissões, outros impactos devem ser considerados, como o ambiental e o social. A expansão de novos projetos de geração de energia precisa respeitar o entorno da atividade para incluir medidas de preservação do meio ambiente e de compensação às comunidades afetadas pelos empreendimentos.
A implantação de medidas de precificação de carbono – como taxação ou mercados de carbono – também é um passo importante para garantir a descarbonização do setor energético de forma mais efetiva, e assim contribuir para que o Brasil possa cumprir seus compromissos de descarbonização e neutralização de emissões perante o Acordo de Paris da ONU.
A relação das empresas de energia com as comunidades é outro elemento que merece atenção. Projetos como biorrefinarias, parques eólicos ou solares devem apresentar contrapartidas aos impactos socioambientais causados. No semiárido brasileiro, há um número crescente de mobilizações que denunciam práticas abusivas no uso e ocupação do território, bem como na assinatura de contratos para geração de energias renováveis.
O crescimento da economia verde depende do alinhamento entre políticas macroeconômicas que fomentem as oportunidades da nova indústria energética de baixo carbono ao mesmo tempo em que promova direitos e obrigações socioambientais previstos nos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
Sobre os autores
Cácia Pimentel é Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre pela Universidade de Cornell e Pesquisadora Visitante da Columbia Law School. Pesquisadora, Consultora e Advogada em Compliance Ambiental. Integrante da LACLIMA – Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action.
Rárisson Sampaio é Mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba, com foco em Sustentabilidade Socioambiental. Professor e pesquisador universitário. Integrante da LACLIMA – Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action.